Guerra aberta na Associação dos Pescadores Profissionais de Esposende

Suspeita de Relatório de Contas “adulterado” leva associados a convocarem Assembleia Geral Extraordinária para destituição da direção. Associação é agora gerida por uma Comissão Administrativa até às eleições de 21 de agosto. Auditoria independente e externa para apurar valor total em falta.

A 28 de junho realizou-se uma Assembleia Geral da Associação dos Pescadores Profissionais do Concelho de Esposende para apresentação e votação do Relatório de Contas.

Mesmo constando um saldo positivo de aproximadamente 44 mil euros, as contas acabaram por ser chumbadas porque “os sócios não acreditaram no que foi apresentado, tinha muitas coisas mal explicadas lá”, começa por referir Carlos Vilas Boas da Comissão Administrativa da Associação.

Nessa mesma Assembleia Geral, ficou logo aprovado fazer uma auditoria externa e independente às contas da associação pelo presidente da Assembleia Geral, Noé Guimarães.

De seguida, deu-se início à Assembleia Geral Extraordinária convocada por alguns associados para destituição da direção presidida por Augusto Silva, que foi aprovada por 85,7% dos associados presentes, devido à forte contestação entre os associados ao modo como a associação estava a ser gerida e por o relatório de contas por esta apresentada ter sido chumbado pelos associados em assembleia anterior.

Nessa Assembleia Geral Extraordinária foi eleita uma Comissão Administrativa até novas eleições. Carlos Vilas Boas, Paulo Gonçalves, Jorge Machado, José Nibra e Manuel Casais, são os membros desta comissão até à AG Eleitoral marcada para 21 de agosto.

“Ao longo deste mês, reunimos com várias entidades com quem a associação trabalha e colabora, e soubemos das contas tal como elas são”, explica Carlos Vilas Boas, desabafando que neste momento, pagando a quem deve de dividas atrasadas, fica sem dinheiro “para pagar os próximos ordenados do mês de julho”.

A associação tem um total de quatro funcionários entre secretaria e lota.

Já sobre os cerca de 44 mil euros de saldo positivo apresentado no relatório de contas, refere que “nunca existiu esse dinheiro nas contas da associação”. “Sabemos o quanto tem lá e é muito longe disso”, vinca Vilas Boas.

“O relatório de contas apresentado foi adulterado”, afirmou, explicando que reuniram com o gabinete de contabilidade que lhes afiançou “nada ter haver” com aquele relatório de contas. “Referiram mesmo: Não fomos nós que fizemos estes papeis”, esclarecendo que “por uma dúzia de folhas que tem o relatório de contas apresentado, o gabinete de contabilidade só se responsabiliza por duas ou três que foram eles que fizeram, o que resto não tem conhecimento”.

Esta desconfiança em relação à direção agora destituída já vem à anos.

A suposta adulteração do relatório de contas consistia em apresentar valores que supostamente estavam em dívida à associação e a integrá-los como saldo, para elevar o valor total.

“No ano passado fizeram-nos o mesmo. Enganaram-nos da mesma maneira, da mesma forma”, dizem, explicando que “os saldos que eles apresentam ou puseram no relatório de contas, não coincidem com os extratos bancários”.

Já no ano passado foi questionado o relatório de contas apresentado. Na altura disseram-lhes que “as pessoas e essas empresas devem à associação, e esse dinheiro é como se estivesse na conta da associação”, tendo apurado, no entanto, ao longo deste mês em que estão à frente da associação que é ao contrário, a associação “é que deve a essas empresas”, refere Paulo Gonçalves.

“Foi assim que eles conseguiam apresentar um saldo grande. Saldo esse que nunca existiu nas contas da associação”, sustenta Jorge Machado, explicando que, para além “de não contabilizar os valores em dívida, esses mesmo valores eram contabilizados como saldo”.

“A associação deve dez, mas punha no relatório que lhe devem dez. E desta forma inverto os valores e passa de devedor a credor e com vinte de diferença em relação ao valor real, uma vez que em vez de sair dez, entrou dez”, explicou desta forma para justificar os valores altos positivos no relatório de contas.

“Neste momento está uma auditoria a decorrer. Não queremos dizer valores ao certo nem entrar em pormenores. Os auditores é que vão fazer e apresentar essas contas todas”, explica Paulo Gonçalves.

Com os dados dessa auditoria externa e independente que está a ser realizada por uma empresa de Braga, a associação recorrerá aos tribunais para “responsabilizar quem estragou isto”.

Comissão Administrativa acredita, contudo, que a restante direção não sabia do que se passava.

“Nós reunimos com alguns membros da direção e um do Conselho Fiscal após a destituição. O presidente da direção também esteve presente”, começa por referir Carlos Vilas Boas.

“Eles vieram aqui com a ideia de que íamos resolver o problema da funcionária, que quer ser despedida”, explicando que Carla Morais tem “forçado um acordo para ir para o desemprego. Já nos apresentou um acordo e tudo, e até já enviou uma advogada representá-la”.

Nessa reunião foi explicado a situação financeira da associação, dizendo-lhes “como querem que demos uma indeminização à funcionária se a associação não tem dinheiro?”.

A resposta ouvida foi para falarem com a contabilidade. “A contabilidade é que tem de explicar os 44 mil euros”, relatam. “Nós associação, explicamos que só há dívidas e não há dinheiro”.

Augusto Silva defende-se dizendo que a Lota não dá lucro, só prejuízo

Entretanto, no desenrolar da reunião, relata Carlos Vilas Boas, o presidente destituído, Augusto Silva, disse que “já sabia que isto ia chegar a este ponto”, atirando que “a Lota não dá lucro, só dá prejuízo”.

Para justificar esta sua afirmação, foi perguntado ao ex-presidente qual a percentagem que recebia da Lota. A resposta, no mínimo insólita, foi que “não sabe”, relatam.

“Diz que dá prejuízo, mas ao longo de 15 anos de mandato não sabe qual a percentagem da Lota”, referem, sustentando que só no mês de junho, “que foi um mês médio, a nossa comissão foi de 1.600 euros connosco”.

A comissão sustenta que o ex-presidente não sabe nada sobre a associação. “Perguntamos qual a percentagem que a Doca Pescas deixa ficar na associação por estar a explorar a Lota, ele não sabe. Quais são as receitas da associação? Não sabe. Não sabe quantos sócios tem e quantas embarcações pagantes tem a associação e quantos tripulantes. Não sabe nada. Aliás, de todos os presentes, ninguém soube responder”, afirmam.

Sobre quem geria as contas da associação, a resposta foi pronta: “era a secretária, a Carla”.

“Ela é que geria tudo. Recebia os dinheiros dos cinco dias da semana do peixe que era vendido na lota, há sexta-feira pagava aos armadores e ficava com o sobrante desse dinheiro que seria, a percentagem da associação, a percentagem da Doca Pescas e a segurança social dos pescadores”, explica Carlos Vilas Boas.

Esta comissão afirma que desde que assumiram os destinos da associação “tem um mapa certinho” das contas da associação.

“Só na semana passada movimentamos cerca de 12 mil euros. Tivemos uma segunda-feira fraca, com oitocentos e poucos euros, passando para terça-feira a rondar os três mil e o resto da semana a dois mil e muitos euros”, referem.

Para esta comissão, as contas da associação já não andam bem à muito tempo, o que justificam com “a trapalhada das eleições do ano passado”.

“Há muitos anos que já não há duas listas. No ano passado houve duas. A trapalhada e a força que fizeram para não saírem daqui. Até pessoas que vieram votar que só apareceram naquele dia. Tudo por causa disto. Para não se descobrir este buraco financeiro”, asseguram.

“Ao fim de 10 anos a trabalhar aqui, quando ela sentiu que poderiam vir outras pessoas pegar nisto, começou a ameaçar que não trabalhava com mais ninguém. E quando as coisas chegaram mesmo ao que chegaram, ela já tinha metido férias um mês. Ela nunca apareceu e forçou sempre ao desemprego”, diz a comissão.

Segundo relatos que tem chegado aos ouvidos desta comissão, para Carla Morais, os únicos responsáveis pelas contas são o António Gonçalves, tesoureiro, Armindo Torres Ribeiro, presidente do Conselho Fiscal e Augusto Silva, presidente da associação.

“Mas nós sabemos que isto não corresponde à verdade”, sustentam, relatando que isso ficou evidente aquando da reunião. “O membro do Concelho Fiscal disse mesmo todo preocupado: eu nunca vi esse dinheiro! Eles não sabem”.

O próprio livro das Atas da associação, só foi parar às mãos desta comissão no dia 29 de junho, um dia depois da Assembleia Geral Extraordinária de destituição. “Estava em casa dela. Isso e uma bolsa com cerca de 300 euros em moedas que nos foi entregue junto com o livro”, refere Carlos Vilas Boas.

A Associação dos Pescadores Profissionais do Concelho de Esposende conta neste momento com 207 sócios, entre tripulantes, reformados e embarcações.

Desde a destituição da direção, já foram 15 os sócios que já deram conhecimento de deixar a associação.

“Existiam aqui sócios que só vinham para a associação porque precisavam do trabalho administrativo da Carla. Ou seja, a associação para eles não interessava. Eles não conviviam aqui. Uma vez que a Carla saiu, eles já não precisam disto. Aliás, a Carla fez-lhes o convite que tratava dos papeis em casa”, afirmam.

Segundo adianta esta comissão, a secretária da associação ficou com o número da associação e fez “inúmeras chamadas já em casa do telefone da associação, trabalhou com o e-mail da associação até ao dia 30, continuou a trabalhar e a tratar de documentos e assuntos de pescadores daqui, do Castelo e de outros lados, e ao mesmo tempo avisava que não ia trabalhar mais aqui, mas que ia continuar com os serviços em casa, que o valor era 25 e 30 euros”, e enviava o “e-mail e o número dela particular a inúmeros sócios, a preparar já a situação”.

Se dúvidas houvesse para esta comissão, ficaram dissipadas com uma mensagem recebida há dias quando “um deles se enganou e ligou para o número da associação”. “Como já era de noite já ninguém atendeu e ele mandou uma mensagem: Desculpa lá Carla ligar-te a esta hora, mas já tenho os papeis todos prontos. Diz-me quando posso passar por aí para te levar os papeis”, relataram.

Como na reunião foi rejeitado o acordo para a rescisão de contrato da funcionária, o presidente da Assembleia “ligou-lhe à frente de quem estava aqui presente, e ela disse: Ai é? Então eu vou tratar das coisas à minha maneira e vou meter já baixa. E passado uma hora, o marido veio entregar a baixa médica para 12 dias”.

Pelo meio ainda foi solicitada uma reunião por parte da advogada da secretária para tentar obter um acordo. “A resposta foi a mesma: não”.

Acabando a baixa inicial e na ausência do acordo com a associação, veio a segunda baixa médica, “desta vez para um mês, continuando a fazer trabalhos em casa para esses sócios do Castelo que saíram”.

Denúncia no Ministério Público de Esposende

Ao que foi possível apurar, existe já uma queixa particular de um associado no Tribunal Judicial de Esposende, ainda em fase de inquérito, contra o ex-presidente Augusto Silva e a secretária da associação, Carla Morais, submetida antes da AG de destituição de 28 de junho.

“A funcionária, em conjunto e combinada com o presidente da direção, (…) disse que iria também abrir um gabinete para executar as mesmas funções que fazia na associação. Ofereceu-se logo para fazer estes serviços aos diretores presentes. O Presidente da direção, disse que apoiava totalmente essa atitude da funcionária”, lê-se na queixa apresentada no Ministério Público, ao qual o nosso jornal teve acesso.

“Disse também que de momento se demitia a secretária, e que ele próprio também se demitiria aquando o término do contrato da outra funcionária que seria em julho, usando termos ‘saio quando acabar o contrato da Sofia e de seguida, entrego a associação. Quem ficar, vai ficar sem sócios e sem funcionários’”, acusa o autor da queixa.

A partir desse dia, Carla Morais e Augusto Silva, refere o autor, “apoderaram-se dos arquivos da associação, com identificação, moradas e números de telefones dos associados. Começaram a fazer inúmeros telefonemas para sócios a dar informação da dita demissão, e ofereceu os serviços de Carla Morais, concorrentes aos prestados pela associação. Na semana seguinte, vários sócios contactados por Carla Morais e Augusto Silva, foram às instalações da associação levantar toda a sua documentação e senhas”, chegando “relatos de vários sócios do Castelo de Neiva e até do Porto a dar conta desses telefonemas”.

“Temos também conhecimento que em várias conversações com o Presidente da Assembleia, que está a tentar desempenhar o seu papel e bem, mostrou que quer o Augusto quer a Carla, disseram que a sua intenção era prejudicar a associação de todas as formas possíveis e usando termos como: vão ficar sem sócios nenhuns, vou tirá-los todos”.

Apesar de ter dito nessa reunião que se demitia com efeitos imediatos, “Carla não entregou as chaves da associação, entra nas instalações quando quer, apoderou-se da documentação, ficheiros, faz movimentos bancários, usava o telefone da associação até para ligar aos associados para abandonar a instituição”, comportando-se, refere a queixa, como “um ladrão dentro da própria casa”.

“Augusto e Carla, no sentido de prejudicar a associação e seus associados, decidiram fechar a lota na segunda-feira, tendo dito: é para eles aprenderem, é o que eles merecem”, tendo conseguido, no entanto, com a ajuda do presidente da Assembleia, “abrir a Lota e trabalhar normalmente mesmo com tentativas de sabotagem”, sustenta o autor da queixa.

A finalizar esta queixa que está a ser analisada pelo Ministério Público, o autor vinca que “Augusto Silva e Carla Morais tem-se situado para prejudicar e de preferência destruir a associação que ele é presidente da direção e ela sua enteada/funcionária, e passarem para si todas as receitas geradas pela atividade da associação, junto dos pescadores associados, usando para tanto os bens e dinheiro da associação em proveito próprio, violando, o primeiro, os deveres de principal responsável pela defesa dos interesses da associação, e Carla Morais, funcionária que se demitiu e que tem lesado voluntariamente, de todas as formas possíveis, os interesses e património da associação”.

Seguindo informação que conseguimos obter junto de fonte próxima do processo, o Ministério Público requereu mais documentação e a audição das testemunhas ainda esta semana.

Contactada Carla Morais de forma a dar o direito ao contraditório, a mesma referiu que “não presto qualquer tipo de declarações e não tenho conhecimento de nada”.

Já Augusto Silva, até ao fecho desta edição e contactado telefonicamente, o mesmo não atendeu as nossas chamadas.

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